quinta-feira, 25 de abril de 2024

A Trajetória de Chacrinha - Parte 2

A década de 60 começou de vento em popa para Chacrinha. Seu sucesso na TV Rio continuava, líder de audiência. Em São Paulo seu programa ia ao ar pela TV Paulista, canal 5, pois na época ainda não existia programação em rede.

Mas em 1963, Abelardo passou por maus momentos, e com sua saúde. Fumante inveterado, acabou descobrindo um tumor no pulmão esquerdo. Resultado, teve que extraí-lo. A partir dali Chacrinha viveria com apenas um pulmão.

Os problemas de saúde não foram obstáculo de forma alguma a que continuasse à frente de seus programas, pelo contrário.  Após a recuperação voltaria com tudo. Seus altos índices de audiência logo o levariam a outra emissora, a TV Excelsior.

Comandada pelo empresário Wallace Simonsen, a Excelsior desde o início da década estava chacoalhando o mercado televisivo com maiores salários, tirando artistas e diretores das concorrentes diretas Tupi e Record. Com uma programação diferente, influenciada pela TV americana, a Excelsior foi a 1ª emissora a implantar uma grade de programação no horário nobre (alguns erroneamente acham que quem fez isso primeiro foi a Globo). Logo teria entre seus contratados astros e estrelas como Moacyr Franco (que era um fenômeno na época), Chico Anysio, Dercy Gonçalves, Bibi Ferreira, e claro, a nova aquisição Abelardo "Chacrinha " Barbosa.

Mas depois de um começo promissor, a Excelsior passou a sofrer financeiramente, em parte por culpa do golpe militar de 1964. O dono da emissora, Wallace Simonsen era amigo do presidente deposto, João Goulart. Portanto, mal visto pelos novos donos do poder. Consequentemente, assim como aconteceu com outros empresários, Simonsen teve seus negócios lentamente minados pelo governo militar. Logo sua emissora se viu vítima dessa sabotagem, fazendo com que salários atrasassem, verbas diminuíssem, e artistas não vissem outra alternativa a não ser deixar a emissora.

O que acabou acontecendo com Chacrinha. Seu programa caro demais para a Excelsior, acabou em 1967 retornando para a TV Rio.

Mas, o que Abelardo não sabia, e logo descobriria, era que sua antiga emissora também começara a descer a ladeira economicamente. Já não havia Walter Clark, nem Boni, ambos haviam se transferido para uma jovem emissora que estava ganhando a atenção do público carioca, a TV Globo.

E foi justamente para a Globo que Chacrinha se mudaria oito meses depois de retornar à TV Rio. Convidado por Boni, que havia sido seu diretor anos antes, Chacrinha estrearia seus dois programas, a Buzina e a Discoteca na emissora de Roberto Marinho. Tornando-se assim o rei dos domingos à noite por cinco anos, de 1967 até 1972.






quinta-feira, 14 de março de 2024

A Trajetória de Chacrinha - Parte 1

Bem, nunca mais houve um comunicador como Abelardo "Chacrinha" Barbosa. Relendo a biografia "Chacrinha", de Denilson Monteiro, publicada em 2014 pela editora Casa da Palavra, resolvi tecer algumas considerações sobre ele. 

Chacrinha nasceu em Surubim, interior de Pernambuco em 1917, passou a infância na Paraíba, depois foi interno num colégio tradicional de Recife. Com 19 anos entrou na Faculdade de Medicina, ainda em Pernambuco. Depois de dois anos deixou os estudos e resolveu seguir sua vocação, a de músico. Virou baterista de um grupo. Com os outros integrantes viajou a Alemanha às vésperas do início da 2ª Guerra Mundial. De volta ao Brasil, desembarca no Rio de Janeiro, sem dinheiro, nem perspectivas de trabalho, apenas o desejo de continuar na vida artística. 

Um dos músicos de sua antiga banda o indica uma pensão onde também costumam se hospedar artistas do rádio carioca. Logo, arranja um emprego de contrarregra, e depois locutor. Um dia, Chacrinha tem uma ideia. Ele é locutor do horário noturno e  naquela época os programas apresentados nessa faixa horária tocavam músicas suaves, os locutores declamavam poesias, tudo muito ameno, pois era a hora em que a maioria dos ouvintes se preparavam para dormir. 

Pois bem, Chacrinha pensou, e se ele criasse um programa que ao invés de preparar o sono dos ouvintes, fizesse com que ficassem acordados? Então, ele aproveitou que era época de carnaval e criou um programa com as marchinhas mais famosas daquele ano, o Rei Momo na Chacrinha. O programa tinha esse nome pois a Rádio Clube Fluminense, que levava o programa ao ar, e onde Abelardo trabalhava, ficava numa chácara em Niterói.

E nesse programa ele criou todo um clima como se estivesse dentro de um baile de carnaval. Foi um sucesso tremendo mas que tinha prazo de validade, só poderia continuar enquanto ainda fosse época de carnaval. 

Passada a folia, Abelardo adaptou a bagunça noturna que inventava no rádio. Ao invés de um baile de carnaval, o cenário agora seria o de um cassino. Assim nasceu o Cassino da Chacrinha. O que não era algo incomum pois o ano era 1943 e os cassinos ainda existiam no Brasil.

O programa de Abelardo virou uma febre no Rio de Janeiro. Ele começou a fazer sucesso não só entre os ouvintes como também com seus colegas de rádio que nos bares frequentados em comum queriam conhecer o tal maluco de Niterói que tirava o sono de todo mundo.

Seu sucesso o fez mudar de emissora, foi para a Radio Tamoio, onde além do seu programa noturno, agora chamado de Discoteca do Chacrinha, passou a comandar outras atrações. Passou também a assinar colunas em revistas e jornais. Ficou conhecido em outros estados, o que o levou a ser contratado por Paulo Machado de Carvalho, em 1955, para fazer suas maluquices na Radio Record de São Paulo, nos fins de semana. Portanto, a partir dali Chacrinha trabalhava sete dias por semana. De segunda a sexta no Rio, e nos sábados e domingos em São Paulo, pois todos os seus programas de rádio eram ao vivo.

Em 1950, com a chegada da televisão no Brasil, muitos artistas do rádio foram usados para fazer parte dos elencos da emissoras que começavam. Inevitavelmente Chacrinha acabou indo para a TV. Em 1956, estreou na TV Tupi do Rio com quatro programas ao mesmo tempo. Um exagero logo desfeito, ficando ele apenas com a sua Discoteca que ia ao ar às terças no horário do almoço, 12h50.

Estreou também o Rancho Alegre, destinado ao público infantil, também no horário do almoço.
Em 1960, Chacrinha começou a fazer seu programa também na TV Paulista, canal 5, em São Paulo, enquanto continuava no rádio à todo vapor.

Em 1961 teve seu programa cancelado na TV Tupi, que alegava falta de verbas para continuar produzindo-o. Mas isso não chegou nem a preocupá-lo pois nesse mesmo ano foi contratado por Péricles do Amaral e Walter Clark para a TV Rio, canal 6.
Começava uma nova década e nela Chacrinha só se consolidaria como um dos grandes nomes da televisão brasileira.

(Fim da parte 1)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Os Anos de Formação

Bem, existem centenas de livros contando a história dos Beatles, além das inúmeras biografias sobre cada um de seus integrantes. Mas mesmo assim o jornalista Mark Lewinsohn resolveu começar uma empreitada. Escrever a história definitiva da banda. O livro dos livros, a biografia para acabar com todas as outras biografias. Desse desejo nasceu "Tune In - The Beatles: All These Years", uma obra que já teve seu primeiro volume publicado, um calhamaço de mais de 900 páginas
 que apenas inicia a trajetória da banda, esmiuçando seus primeiros anos, aqueles de formação, antes de fazerem sua primeira gravação "oficial".

O grande trunfo de Lewinsohn além de seu talento como escritor é a considerável quantidade de informações novas sobre os Beatles. Sim, pois por incrível que pareça, apesar do tanto que já foi escrito, visto e dito sobre eles, de tempos em tempos sempre aparece alguma coisa nova, um detalhe de sua história, uma foto nunca vista, um vídeo inédito, ou até mesmo um "outtake" tirado da cartola.

Este primeiro volume, que como já dito, trata dos primeiros anos da banda traz coisas que eu nunca tinha ouvido falar. Por exemplo, dentre os primeiros nomes adotados está o esquisito "Japage 3", adotado depois do já conhecido "The Quarrymen". "Japage 3" era simplesmente uma alusão aos nomes dos seus três integrantes, John, Paul e George. E os três na guitarra. Sim, durante um bom tempo eles não tiveram baterista, e nenhum dos três queria tocar outro instrumento que não guitarra. Afinal, naquela época nenhum baixista cantava e como os três queriam ter destaque no grupo ninguém queria deixar sua guitarra de lado.

O livro derruba alguns mitos com relação a esses anos de formação. Por exemplo, Pete Best sempre foi considerado o primeiro baterista dos Beatles. Mas na verdade houveram outros antes dele. Aliás, ele nem foi, antes de Ringo Starr, o baterista que mais tocou com a banda. O baterista mais frequente nesses primeiros anos foi um cara chamado Tommy Moore, que acabou deixando a banda por já ter um emprego numa fábrica, já ser casado e não poder mais ficar se aventurando, brincando de músico e ganhando quase nada por aquilo. Ele tinha responsabilidades, era mais velho que eles e tinha uma esposa que não gostava nem um pouco de ver seu marido "perdendo tempo" com aqueles moleques inconsequentes.

Depois de Moore, atuou como baterista um outro cara chamado Norman Chapman (o mesmo sobrenome do algoz de Lennon, Mark), e até Paul McCartney chegou a tocar bateria antes de Pete Best. Este acabou sendo escolhido pois eles estavam a beira de ir para Hamburgo fazer uma residência de dois meses no clube Kaiserkeller, e precisavam urgentemente de um baterista. Eles conheciam Best pois ele já tocava numa outra banda de Liverpool e eles já haviam tocado várias vezes num clube de propriedade de sua mãe, o Casbah.

O livro dá muitos detalhes dessa ida deles para Hamburgo, pra tocar num clube que ficava no lado barra-pesada da cidade, cujo público era composto por marinheiros bêbados de passagem, prostitutas, traficantes e arruaceiros em geral. A rotina de trabalho deles era massacrante. De terça a quinta, show de quatro horas de duração, de sexta a domingo, seis horas de duração. Na segunda, folga. Nessa época já atuava como baixista o estudante Stuart Sutcliff, que Lennon conhecera na escola de arte e convidara pra tocar o instrumento que ninguém queria.

Enfim, e esse é só o começo dessa história, cheia de emoções, altos e baixos. Contada por Lewinsohn como se fosse um filme que por mais que saibamos seu final nos atrai pois agora o estamos assistindo com inúmeras sequências que não haviam feito parte dele.






sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Balanço Final: Elas Por Elas (1982)

Bem, valeu a pena assistir à Elas Por Elas (1982) no Globoplay? Claro que valeu! Mesmo que fosse só pra identificar os seus defeitos. E por incrível que pareça foram muitos. 
Todos sabem que a novela de Cassiano Gabus Mendes foi um grande sucesso de sua época, ganhou prêmios, seus atores também premiados, etc. Eu mesmo quando a vi pela primeira vez lá no distante ano de 1982, ainda na idade de oito anos, me diverti muito com as maluquices de Mario Fofoca, que por ter caído nas graças do público ganhou vida própria virando série e até um filme de cinema.
Portanto, agora depois de tantas décadas e tantas novelas vistas e revistas eu não poderia esperar nada menos do que tudo de bom que se poderia encontrar numa novela de Cassiano Gabus Mendes, como nas há pouco vistas Brega e Chique (1987) ou Anjo Mau (1976).
Ledo engano. Pois logo nos primeiros capítulos percebi coisas que me incomodaram bastante. Muitas cenas de cozinha, almoços, cafés da manhã, tudo muito prosaico, esquematizado, como se autor estivesse no piloto automático. Talvez pelo fato de haver acabado de assistir à Guerra dos Sexos (1983), de Sílvio de Abreu, um marco no horário global das sete, novela que revolucionou o estilo na TV brazuca, o contraste tenha sido fatal. Afinal, a história de Cassiano é originalmente anterior à de Abreu. Portanto ainda tem certos ranços setentistas e não se apresenta como comédia desbragada.
Logo aquilo que era pra ser o assunto central da novela, a busca de uma das sete amigas pela assassina de seu irmão quando criança, ficou totalmente em segundo ou terceiro plano, tanto que a revelação da pessoa em questão ocorreu com a novela ainda um pouco longe de acabar.
De repente, toda a ação acabou ocorrendo ao redor de dois personagens, o detetive trapalhão Mario Fofoca (Luís Gustavo) e seu amigo, o advogado chicaneiro Renê (Reginaldo Faria, caprichando na cara de cafajeste). Os dois viraram meio que os pilares da história. E personagens como o de Joana Fomm ficaram totalmente avulsos, sem função dramática nenhuma. Outro que acabou encolhendo foi o personagem de Carlos Zara. No começo ainda havia um interesse nele pela expectativa de saber se retomaria seu namoro antigo com Ester Goes ou continuaria com a esposa Aracy Balabanian. Mas aos poucos essa história também 'flopou' fazendo com que seu personagem fosse pra escanteio.



Quem começou apagado mas aos poucos mostrou a que veio foi Lauro Corona. Seu personagem, Gil, filho de Aracy, era bem sem graça, mas depois que virou um revoltado exigiu mais do ator que pode mostrar toda a sua gana de atuar, mostrando ao público que não era apenas mais um galãzinho.
Sandra Bréa foi outra que teve seu papel encolhido aos poucos pois sua existência na trama ficou condicionada única e exclusivamente à revelação sobre quem seria tal "patinha". Mario lago e Natália Thimberg também transformaram-se em coadjuvantes de luxo.
Os grandes destaques da novela foram mesmo os já citados Luís Gustavo e Reginaldo Faria, além de Eva Wilma, a atrapalhada Márcia, apaixonada pelo detetive que contratara pra descobrir a identidade da amante de seu marido morto. Christiane Torloni (maravilhosa!), como a bobinha (e um pouco histérica) Cláudia, iludida pelo safo Renê. Ieda, a filha feiosa de Márcia vivida por Cristina Pereira. Carmen (Maria Helena Dias), a cunhada de Renê, apaixonada em segredo por ele. E seus filhos Elton (Cassio Gabus Mendes) e Vic (a lindíssima Ana Helena Berenger). Do "núcleo jovem" também todos os elogios a Tássia Camargo, a volúvel Míriam.
Outros destaques foram Felipe Carone e Ana Ariel, respectivamente Evilásio e Raquel, pais do desastrado Mario Fofoca.
Devo dizer que me decepcionei também com último capítulo da novela. Foi um anticlímax geral. Os principais personagens da trama acabam sozinhos. Mário desistiu de casar com Claúdia, mas isso não o juntou com Márcia que passou a novela inteira atrás dele. Esta mesmo sabendo que os dois não mais iriam se casar não deu nenhum passo a direção de realizar sua paixão pelo detetive. Cláudia, que também não fica com ninguém tem sua última cena de uma banalidade absurda. Outros personagens que tiveram muito destaque durante meses simplesmente desapareceram. O Dr. Roberto (do ótimo Laerte Morrone), que fez de tudo para conquistar Márcia também poderia ficar com ela já que Mário não estava mais na jogada. Mas não se teve notícia dele. Marco Nanini, o Décio, também sumiu sem deixar vestígios.
Enfim, Elas Por Elas (sem trocadilho), a despeito de todo o seu sucesso deixou muito a desejar pelas minhas lentes de 2023/2024.



sábado, 5 de fevereiro de 2022

O Fim de Uma Era?

Bem, morreu o escritor, e filósofo auto-intitulado, Olavo de Carvalho. Segundo alguns, de Covid-19. No final do ano passado, Olavo esteve internado no Incor, em São Paulo, com insuficiência cardíaca e renal.

O escritor, como todos sabem, é ídolo da nova direita brasileira, ao menos de boa parte de seus representantes, aqueles que não foram rechaçados pelo próprio, transformando-se em alvo de chacotas e apelidos que o 'filósofo' distribuía a seus desafetos.

Olavo começou a chamar a atenção do público nos anos 90, quando através de suas colunas no jornal "O Globo" alertava para o domínio esquerdista na cultura, no jornalismo e nas universidades, e como isso acabava contaminando a formação intelectual principalmente dos jovens incautos, que eram bombardeados com uma suposta doutrina 'comunista' sem nem sequer perceberem. Graças a estratégias traçadas há muitos e muitos anos por pensadores como o italiano Antonio Gramsci, ou os ilustres nomes que reunidos formavam o que se convencionou chamar de 'Escola de Frankfurt'.

Apesar de se intitular 'filósofo', Olavo não tinha uma formação universitária ortodoxa na área (se bem que nenhum grande filósofo tenha alguma). Trabalhou durante muito tempo em redações de jornais, e quando resolveu mergulhar em assuntos mais densos, que iam além dos fatos do dia a dia, tornou-se um autodidata. Além de filosofia, interessou-se pela história das religiões, e até por esoterismos como a astrologia (o que não acho que seja demérito). Mesmo não tendo credenciais no ensino superior chegou a dar cursos na PUC do Rio de Janeiro, e a participar do debate público através da grande imprensa e de encontros promovidos por ela. 

Ele aos poucos foi se destacando como uma das poucas vozes não alinhadas à esquerda política, talvez a única daqueles tempos (década de 90). Com a morte do polemista Paulo Francis e do ex-ministro Roberto Campos, Olavo surgia como uma voz dissonante no mar esquerdista que tomava conta do campo de ideias intelectual.

Nessa época lançou livros como "O Jardim das Aflições", "O Imbecil Coletivo", "O Futuro do Pensamento Brasileiro", e "Aristóteles em Nova Perspectiva". Seus embates eram não só com a esquerda intelectual, que ele chamava de "comunista", mas também com a própria organização universitária brasileira que, segundo ele, impedia o desenvolvimento de quem se recusasse a seguir a cartilha idealística pregada nas instituições superiores de ensino.

A primeira vez que vi Olavo de Carvalho na televisão, foi, por incrível que pareça, em um programa de entrevistas comandado pelo jornalista Juca Kfouri, na TV Gazeta, de São Paulo, em meados dos anos 90. Há uma outra entrevista da época dada ao jornalista Pedro Bial, que pode-se encontrar no You Tube, assim como momentos de um debate sobre racismo promovido pelo jornal "O Globo", mediado pela jornalista Miriam Leitão, em que Olavo aparece como um dos participantes ao lado de, entre outros, o politico Leonel Brizola.

Fiquei anos sem ter notícias do escritor, lendo apenas um ou outro artigo seu publicado na Folha de S.Paulo, até que lá por 2007, descobri que mantinha uma coluna na extinta revista cultural "Bravo". Ali Olavo continuava sua diatribe contra as ideias esquerdistas que tomavam conta do ambiente intelectual no mundo, e já combatia também a influência do pensamento 'politicamente correto', que se imiscuía nas manifestações universitárias e culturais. Chamou-me a atenção a foto sua que ilustrava a coluna, nela ele aparecia estiloso, vestindo um casaco de couro enquanto acendia um cigarro.

Na segunda década do novo século dei de cara com um canal que ele mantinha no You Tube. Já havia se mudado para o estado da Virginia, nos EUA, e de lá monologava, como sempre, sobre os perigos do 'comunismo', o avanço do chamado 'globalismo', que patrocinado por milionários esquerdistas como George Soros, tinha como meta abolir características culturais particulares dos países, em prol de uma doutrina que uniria os costumes, formando uma espécie de "Brave New World" socialista.

Outro alvo constante seu nessa época era o então presidente americano, Barack Obama, que Olavo acusava de não haver nascido no Havaí, como divulgava-se mas sim no Oriente Médio. O que tornaria a sua eleição ilegal já que Obana não seria cidadão americano. Acusação feita sem a apresentação de prova robusta alguma, é claro.

Confesso que me divertia assistindo a seus vídeos em que os palavrões abundavam (!), principalmente quando permitia que pessoas participassem ao vivo interpelando-o por telefone, geralmente desafiando-o a provar suas acusações contra Obama. Aí o homem ficava louco da vida.

Em 2013 foi lançado o livro que se tornou best-seller, "O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota". Uma coletânea de artigos publicados por Olavo na grande imprensa ao longo de duas décadas. Organizado pelo jornalista Felipe Moura Brasil, o livro coincidiu com o surgimento de uma onda direitista na sociedade brasileira, que se fortaleceu em 2016, com o 'impeachment' da presidente Dilma Rouseff, e culminou com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.

Logo, surgiu uma especulação afirmando que Olavo teria indicado alguns nomes para ministérios e outros cargos no governo, coisa que ele sempre negava. Ou então que ele mesmo iria ser convidado a assumir um ministério. Mas nada disso se concretizou.

Aos poucos fui percebendo sua estratégia quando queria defender o indefensável. Por exemplo, quando alguém lhe perguntava se era a favor um novo golpe militar, ele dizia que não pois nunca achara que o exército brasileiro atual e seu quadro fosse capaz de fazê-lo. Ou seja, ele não teria defendido algo que sabia que os militares não teriam força para realizar. Com essa estratégia retórica fugia de possíveis processos pois é crime defender publicamente e incitar ações anti-democráticas.

Aos poucos foi angariando uma rede de apoiadores e discípulos que o defendiam virtualmente de ataques como se ele fosse algum tipo de sacerdote. Nas manifestações contra Dilma Rouseff, geralmente aparecia alguém com um cartaz que dizia "Olavo Tem Razão". O escritor, exagerava dizendo que essas manifestações haviam se espalhado pelo país.

Olavo não era um picareta ou um farsante, tinha um amplo conhecimento literário e filosófico. E sua contribuição para o debate público foi importante. Seu sucesso editorial abriu espaço para outros autores que fugiam do viés esquerdista, muitos dos quais nunca haviam sido traduzidos no país. Além de nomes nacionais como Luis Felipe Pondé, Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, Marco Antônio Villa. 

Apesar de boa parte dos que se dizem de 'direita' sofrerem de um anti-intelectualismo, e de um desprezo geral pela cultura e pelos artistas, como é o caso do próprio presidente Bolsonaro.

Na verdade não vejo nada demais em discordar das opiniões e visões de mundo de pessoas com as quais concordamos em outros aspectos. Isso é da vida. Ninguém concorda com todo mundo o tempo todo. O problema é que queremos sempre "lacrar" com alguém quando essa pessoa acha o mesmo que nós sobre um assunto ou "cancelá-lo" quando ele discorda de nós.

Olavo tinha suas obssesões, seus erros de julgamento, uma certa miopia intelectual sobre determinados assuntos, mas em outros suas análises eram certeiras. Tanto que os autores citados acima atuam no mesmo viés opinativo dele, e boa parte do que ele expôs também é corroborado por Pondé, Constantino, Villa, etc.

Em vários de seus textos Olavo denunciava a incompreensão da academia ao que ele expunha, simplesmente porque ia contra todo um pensamento já estabelecido. Acho que nunca um autor foi tão ridicularizado, e "bullynizado" por uma classe somente por ousar contra-argumentar o que todos tomavam como verdades eternas.

Pode-se questionar certas avaliações equivocadas mas qual pensador muito mais relevante do que ele estaria livre de um diagnóstico errado, de uma ideia absurda? Existem vários que sofrem do mesmo mal: Platão, Nietzsche, Rousseau, Freud e tantos outros. Por isso tudo o que estes autores escreveram deveria ser jogado fora? Claro que não! (Apesar de muita gente achar que sim).

A mim incomodava certa condescendência que Olavo mostrava com a ignorância quando ela vinha da mesmo lado idealístico dele. O preconceito da extrema-direita era sempre acolhido e apresentado como algo natural. Aos poucos começou a ir contra até mesmo o que escrevera, como quando defendeu em um vídeo que toda e qualquer relação com alguém esquerdista deveria ser cortado sumariamente, como se o esquerdismo fosse uma doença.

Olavo nunca foi duro com 'terraplanistas', tratava desse assunto com uma certa ambiguidade. Foi indigno ao tentar colar a pecha de pedófilo em Caetano Veloso e Fernando Haddad. Foi desleal ao não defender o jornalista Felipe Moura Brasil de ataques dos bolsonaristas nas redes sociais, compartilhados por ele em seu perfil no Facebook.

Foi irresponsável ao insuflar a derrubada do então presidente Michel Temer quando da greve dos caminhoneiros, e defender implícitamente inúmeras vezes um novo golpe militar. Sua visão paranóica da cultura acabou contaminando políticas governamentais gerando uma 'caça às bruxas' ideológico nos órgãos federais.

Sua ambiguidade e seu cinismo foram me incomodando cada vez mais, sua visão de mundo tacanha e paranóica fizeram com que eu me afastasse de seus vídeos, e de repente ele já não era tão 'engraçado' quanto antes. Agora, a imagem que surgia era a do guru delirante imprecando contra antigos aliados ("Rodrigo Cocô", "Lobostão"), criticando a moderação do vice-presidente Mourão e outros do governo, como se fossem traidores de uma causa.

Mas a gota d'água foi a divulgação clandestina de um vídeo em que Olavo aparecia falando sobre a má influência do rock na sociedade, especialmente dos Beatles, que segundo ele eram analfabetos musicais. Até aí, tudo bem, ninguém é obrigado a gostar de Beatles, o problema é que em seguida ele cita um livro de um tal autor holandês que defendia a ideia de que os Beatles estariam a serviço da dissolução dos costumes idealizada pela Escola de Frankfurt, e que as canções da banda teriam sido compostas não por eles mas pelo pensador alemão Theodor Adorno! E Olavo ainda arremata dizendo que iria "investigar" o assunto. Logo em seguida dando um gole numa "cachacinha".

Pra mim, foi o bastante. Aquilo era a demontração pura e simples de um homem com problemas pra discernir o que era um total absurdo, de algo que precisava ser "investigado". A partir dali nada do que dissesse respeito a Olavo de Carvalho me interessaria mais.

Olavo terminou seus dias criticando o presidente Bolsonaro, dizendo ter sido usado por ele pra conseguir se eleger. Mais um sintoma da megalomania que se apossara de sua personalidade desde que se mudou para os EUA.

Mas, como eu disse lá em cima, não é por isso que jogaremos fora toda a produção de um autor. E eu prefiro lembrar-me de Olavo como um sujeito que acertava nos disgnósticos mas errava no tratamento.

"(...) a cultura continua a ser vista, sobretudo pelos que têm preguiça de adquiri-la, como um bem de consumo reservado às classes superiores, um emblema de chiqueza com que os pedantes humilham os pequeninos. Daí a ambiguidade dos sentimentos que evoca: todos a desejam, mas apenas para usá-la, sem que ela os afete por dentro. A cultura deve permanecer exterior, como uma peruca ou um soutien, que embelezam sem modificar substancialmente a coisa embelezada."































terça-feira, 27 de abril de 2021

O Pior Oscar de Todos

Frances McNorman e Chloé Zhao
Bem, mais uma cerimônia do Oscar se vai, esta foi a 93ª, e para mim foi a pior a que eu já assisti na vida. E pelo jeito não estou sozinho nessa avaliação. A edição do último domingo teve 13 milhões de expectadores a menos em relação a de 2020, quando 'Parasita' levou o prêmio principal.

É conhecido que o Oscar vem perdendo público quase que de ano a ano, o número de expectadores do ano passado, 26 milhões, pode parecer muito mas também denota a queda exponencial da sua audiência.

A cerimônia de 2021 foi modificada por conta da pandemia da Covid-19, portanto teve menos convidados, apresentando uma estrutura mais 'enxuta', o que fazia todo sentido. O problema foi que, digamos, esqueceram de combinar com os vencedores. Pois a cada categoria, seus premiados desfiavam discursos intermináveis, já que neste ano não teriam limitação de tempo para os agradecimentos.

E se antes, os agraciados com o prêmio já se desmanchavam em lembranças à mãe, pai, namorados, avôs e avós, professores da infância, gatos, cachorros, e pediam a paz mundial, ao menos o faziam sabendo que se demorassem muito seriam cortados pela orquestra. Como neste ano isso não aconteceria, quando começavam a agradecer pareciam não querer mais sair do palco. Eu imaginava como seria bom se surgisse lentamente uma daquelas bengalas, pela lateral, que retirariam prontamente o artista e acabasse com seu monólogo.

Outra modificação feita pelo diretor do show, o cineasta Steven Soderbergh, foi de que a principal premiação da noite, a de melhor filme, não fecharia a cerimônia. Decisão que, é claro, não fazia o menor sentido. E que provou-se errada na prática, pois o climax da noite não aconteceu, sendo substituído pela premiação ao melhor ator, categoria que muitos achavam (inclusive eu) que seria vencida pelo falecido ator Chadwick Boseman. Talvez Soderbergh achasse que a homenagem a Boseman no final criaria um clima de 'gran finale'. Mas, quem acabou levando foi Anthony Hopkins.

Quanto ao prêmio de melhor filme para 'Nomadland', da diretora chinesa Chloé Zhao, não tenho nada a opor, gostei dele, apesar de não achá-lo uma 'obra-prima'. A atriz principal, Frances McNorman, conseguiu seu terceiro Oscar. Já Anthony Hopkins merecidamente levou a sua segunda estatueta pelo magnífico desempenho em 'The Father'. Filme que, alíás, era um dos meus favoritos, junto com 'Judas and The Black Messiah', que dentre os prêmios principais levou só o de ator coadjuvante, para Daniel Kaluuya.






domingo, 6 de dezembro de 2020

Por Que Não Gosto de 'Sassaricando'?

Bem, 'Sassaricando' foi um dos grandes sucessos da década de 80, todos sabem. A novela de Sílvio de Abreu, reprisada agora no Canal Viva, teve ótima aceitação do público, eu me lembro pois sou contemporâneo dela. 

A novela substituiu a outro grande sucesso, 'Brega & Chique', de Cassiano Gabus Mendes, também reprisada pelo canal retrô. Mas apesar disso, não estou me divertindo com as estripulias de Aparício Varela (Paulo Autran), as três amigas Penélope (Eva Wilma), Rebeca (Tônia Carrero), e Leonora (Irene Ravache). 

O estilo de humor de 'Sassaricando' é bem diferente do de 'Brega & Chique'. Esta era mais sutil, com situações mais prosaicas e condizentes com o tipo de seus personagens, moradores de um bairro classe-média baixa de São Paulo. Já a novela de Sílvio de Abreu, tem um humor escrachado, tenta emular as 'screwball comedies', do cinema americano dos anos 30, aliado à uma atmosfera das 'chanchadas' brasileiras dos anos 40.

O estilo de Cassiano G. Mendes estaria mais para Billy Wilder, e o de Abreu mais para Carlos Manga. 

'Brega & Chique' teve seus problemas de desenvolvimento da história, algo até certo ponto normal em novelas que vão se extender por no mínimo seis meses, mas tinha uma característica incomum, parecia um seriado. Não havia exatamente uma trama. Já em 'Sassaricando', essa trama existe, e tudo o que acontece na novela segue uma linha de acontecimentos que resultam do que apresentou-se no início da história.  E que terão seu desfecho lá no final dela.

Leozinho e Fefê



Visualmente, a novela também não me agradou no começo. A direção de arte pareceu-me equivocada, os cenários muito mal definidos, principalmente os que diziam respeito à Família Abdalla. Situações cômicas muito 'forçadas', em que as gags pareciam mal ensaiadas, ou como se diz em inglês 'lame', ou seja, 'manco', sem firmeza. 

Acho que a produção talvez demandasse um apuro maior, ou a direção (de Cecil Thiré) não tenha entendido direito a natureza geral da novela. Quando Sílvio de Abreu teve Jorge Fernando como diretor, suas novelas não sofreram com isso ('Guerra dos Sexos', e 'Cambalacho').

O que 'Sassaricando' tem de melhor é a atuação de alguns nomes como Paulo Autran, Laerte Morrone, Carlos Zara, Claudia Raia, Diogo Vilela, Cristina Pereira ( e estes três últimos se saíram tão bem que entraram para o elenco do 'TV Pirata', que estrearia no ano seguinte). Destaque também para Lolita Rodrigues, que fazia sua primeira participação em uma novela.


Aldonza e suas lindas filhas



Já não acho tão bom o desempenho de Marcos Frota, como o estressado publicitário 'Beto Bacelar'. Sua atuação é exagerada, mas me lembro que na época, quando eu tinha 13 anos de idade, eu assistia e gostava dele. Outra que parece deslocada no papel é Tônia Carrero, aliás, em certos momentos ela passa um certo descontentamento em cena. Parece que nem ela gosta muito de sua personagem.

Suas colegas de núcleo também chegam a ser um pouco irritantes, Irene Ravache e Eva Wilma. Suas cenas beiram a estupidez, o que de novo, me parece um erro de direção, e não canastrice de ator, pois tratam-se de três grandes nomes do teatro e da TV brasileiras.

Outra diferença negativa em relação a 'Brega & Chique', é a trilha sonora. A de 'Sassaricando' é bem inferior, pra mim o único destaque são as canções 'Você Perde', de Kiko Zambianchi, e 'Lua-de-mel', de Lulu Santos.

Mas, o que me encanta mesmo é a beleza de Maitê Proença, Claudia Raia, Angelina Muniz, Denise Milfont, e Aldine Miller. Claudia Raia era o sex symbol nacional da época. Maitê vinha de dois sucessos na TV Manchete, 'Marquesa de Santos', e 'Dona Beija' (que chamou tanta atenção que lhe valeu um ensaio para a revista 'Playboy').

A maravilhosa Maitê



Enfim, de tudo isso, pode-se concluir que 'Sassaricando', apesar do sucesso, foi uma novela bem irregular. Mas, como ainda está 'no meio' de sua duração, talvez a partir daí haja uma melhora. Não consigo me lembrar pois na época não assisti na íntegra. Talvez por já perceber os problemas que agora expus, 33 anos depois.






terça-feira, 24 de novembro de 2020

Discos Que Eu Ouvi: 'Marianne Faithfull' (1965)

A linda Marianne Faithfull conseguiu algo que talvez seja inédito na história da música pop. Teve dois álbuns de estreia lançados ao mesmo tempo. Marianne foi descoberta pelo produtor dos Rolling Stones, Andrew Loog Oldham, quando se apresentava numa festa privada (em que os próprios Stones estavam presentes). Ela já fazia shows em pequenos clubes de música folk, então a gravadora Decca decidiu que o repertório desse primeiro álbum seria todo calcado nesse estilo. Só que Marianne não concordou com isso, pra ela, seu disco de estreia deveria ter uma pegada mais pop. 

Portanto, a moça bateu seus lindos pézinhos, irredutível, o que fez com que a Decca decidisse lançar dois álbuns. Um com repertório folk (chamado 'Come My Way'), e outro com um repertório pop, que foi o que ouvi recentemente.

Bem, o carro-chefe do disco foi mesmo a canção 'As Tears Go By', de Jagger e Richards. Ninguém soube dizer até hoje se a música foi composta especialmente para ela gravar ou não. O que se sabe é que foi a canção que lançou Marianne na carreira e logo de cara, ao topo das paradas. Os Stones lançariam a sua versão no ano seguinte.

Outros destaques são a faixa que abre o disco, 'Come And Stay With Me'; uma versão de 'Downtown', que no mesmo ano também foi gravada por Petula Clark; 'Paris Bells', 'What Have They Done to the Rain' ( que rendeu um lindo musical na TV inglesa), e uma versão de 'I'm a Loser', dos Beatles.

A voz da jovem Marianne, ainda livre dos futuros excessos de álcool e drogas, era doce e encorpada, ela mostrava controle técnico sobre a voz, e uma segurança que só tem quem sabe do seu valor. Isso combinado à sua beleza, e pronto, estava, selado o destino de sucesso da moça junto ao público britânico.



 

Filmes Que Eu Vi: 'Corrida Sem Fim' (1971)

 A influência da nouvelle-vague francesa no cinema americano dos anos 60/70 foi enorme. E um exemplo disso é 'Corrida Sem Fim' (Two-Lane Blacktop), do diretor Monte Hellman. Este road movie de poucos diálogos e muitos silêncios é simples como seus quatro personagens principais, identificados apenas como 'The Driver' (James Taylor), 'The Mechanic' (Dennis Wilson), 'The Girl' (Laurie Bird), e 'The G.T.O.' (Warren Oats). 

O 'motorista' e o 'mecânico' vagam de cidade em cidade, atrás de rachas pra ganhar algum dinheiro. Numa dessas corridas, entra no carro deles 'a garota', nada se sabe sobre ela, de onde veio, pra onde vai, ela apenas os segue no banco de trás do carro, envolvendo-se amorosa e/ou sexualmente com os dois.

No meio dessa vida na estrada, eles conhecem o 'G.T.O.', um mentiroso compulsivo, que conta uma história diferente sobre seu passado para cada caroneiro que pega na estrada, e serão vários durante o filme.

Os dois rapazes vão ser desafiados por 'G.T.O.' para um racha numa pista em Washington D.C. E boa parte do filme desenvolve-se nessa ida deles até lá. Parando pra abastecer, ou comer alguma coisa em restaurantes de beira de estrada, ou interagindo com os moradores locais, ou em vilarejos em que não há quase ninguém.

Uma surpresa é o ótimo desempenho dos dois músicos em cena, James Taylor sem sai muito bem como o misterioso 'Driver', e Dennis Wilson (The Beach Boys) como o falante 'Mechanic', que acaba se dando bem com a 'garota' Bird. Menina linda e problemática, não sabe bem nem porque continua com eles, tanto que acaba também se envolvendo com 'G.T.O., mas acaba os abandonado por um motoqueiro, sem explicação alguma.

Aliás, tudo neste filme acontece sem maiores explicações. Vive-se e move-se mais por instinto ou pela simples necessidade de não ficar estagnado em algum lugar. O filme não explica nada, apenas se limita a registrar o dia-a-dia dos jovens  pelas estradas.

Não há trilha sonora, a única presença de música é durante uma sequência num bar em que se ouve uma canção do The Doors, e só. O que dá o tom mesmo neste filme mesmo é o silêncio. E o ronco dos motores.


Warren Oats e a linda Laurie Bird



Minha História com a TV Brasileira

Bem, a TV brasileira está completando 70 anos de existência, então achei apropriado fazer um balanço da minha relação com este eletrodoméstico que é ao mesmo tempo uma janela para o mundo, e que, sem sombra de dúvida influiu na minha formação, assim como na de todos, é claro. De uma certa forma, somos todos influenciados pela televisão. Nosso comportamento, nossa visão de mundo, foi muito moldada pelo que ela nos trazia, pelo que ela nos mostrava, nos apresentava, incluía no nosso cotidiano. Boa parte da rotina de nossas casas era dirigida pelos horarios de certos programas de televisão. Às vezes deixávamos de ir a festas ou a qualquer outro compromisso para não perdermos tal programa, ficávamos tristes quando não podíamos assistir a esse ou aquele programa. Enfim, a TV sempre teve uma importância enorme em nossas vidas.

Eu nasci em 1974, portanto, minha história com a TV começa aí, e pessoas mais velhas da minha família dizem que durante a abertura de uma novela da TV Globo chamada 'Bravo', em que aparecia um maestro conduzindo uma orquestra, eu o imitava, parado na frente do aparelho. Bem, é claro que não me lembro disso, até porque a novela é de 1975, portanto eu devia ter apenas 1 ano de idade.

Ao longo do tempo meu fascínio ela televisão só aumentou, assistia a quase tudo, só não via mais porque crianças (pelo menos naquela época) tinham que dormir cedo, e sempre chegava aquela hora em que minha mãe me mandava pra cama.

Eu via não só os programas infantis e os desenhos mas também novelas, shows de auditório (que eu adorava, meus ídolos maiores eram Sílvio Santos, Chacrinha e Flávio Cavalcanti - mas também gostava de Raul Gil, Dárcio Campos, Bolinha, J. Silvestre, Hebe Camargo).








Durante a década de 80 minha 'loucura' pela televisão era tão grande que eu copiava num caderno as programações diárias das emissoras que saíam publicadas nos jornais. Pra quê? Não sei. Simplesmente achava divertido fazer isso.

Outra coisa que me divertia era brincar 'de Chacrinha' e de 'de Sílvio Santos'. Isso mesmo, assim como garotos 'normais' brincavam de 'Super-Homem' e 'Batman', eu reproduzia o programa do Chacrinha inteiro na sala de casa. E com um microfone improvisado pelo meu pai, pendurado no peito, 'igual' aos dos animadores de TV.

Também gostava muito de desenhar o Chacrinha, eu tinha cadernos inteiros com desenhos dele, com as fantasias usadas em cada programa, com data e indicação de quem havia se apresentado 'por último', ou seja, fechado o programa naquele dia. Coisa de doido.

Aliás, sábado à tarde, eu não saía pra lugar nenhum, era hora do Chacrinha! Assim como, domingo era dia de Sílvio Santos! Eu detestava quando minha mãe inventava de irmos fazer algum passeio ou irmos para o campo. Pô, eu ia perder o 'Qual é a Música'!

A propósito, a estreia do Chacrinha na Globo, em 1982, foi um dos grandes traumas da minha vida. Eu já acompanhava o Velho Guerreiro desde o final da década de 70, na extinta TV Tupi, depois na TV Bandeirantes, e quando ele foi pra Globo, aquilo virou o acontecimento do ano, pelo menos pra mim, que tinha 8 anos de idade. Portanto, a expectativa pelo primeiro programa era enorme, eu mal podia esperar pra chegar o 'grande dia'. 

Antes, devo explicar que eu morava numa cidade do interior, e que o sinal das emissoras era retransmitido em UHF, a partir do sinal que vinha da capital, São Paulo, e só pegavam três emissoras, Globo, Record e Bandeirantes (a TV Cultura pegava também, mas porque tinha uma antena própria, que, aliás, ficava ao lado da minha casa). Às vezes, como o equipamento era em cima de um morro, quando chovia ou ventava forte, alguma coisa acontecia que fazia o sinal cair. Pois adivinhem o que aconteceu bem no dia da tão esperada estreia do Chacrinha na Globo? Isso mesmo. Ela saiu do ar! Bem no dia mais importante do ano pra mim. Fiquei com tanta raiva que me tranquei no banheiro e chorei imprecando contra Deus e o mundo. Aliás, naquele dia, eu tive a nítida impressão de que Deus estava contra a minha pessoa. 

Outra pessoa de que eu gostava muito na década de 80 era o Gugu Liberato. Como já disse, o SBT não pegava na nossa cidade, mas eu estava sempre ligado em tudo que dizia respeito à 'TV do Sílvio Santos'. E quando chegavam as férias escolares, ao invés de ir pra praia ou pra acampamentos, eu ficava enchendo o saco dos meus pais pra ir pra São Paulo, na casa de parentes, só pra poder assistir ao SBT (ou 'TVS', como se dizia). E quando lá estava eu assistia de tudo, 'Bozo', novelas mexicanas, os seriados, e principalmente ao 'Viva a Noite', de Augusto Liberato. Eu gostava muito dele nessa época principalmente porque ele tinha um estilo totalmente distinto do 'mestre Sílvio', a postura dele era discreta no palco, a entonação não era impostada, mas seu carisma era tanto que conseguia comandar aquele auditório lotado sem agir como se fosse um domador de circo.

Criador e criatura



Eu adorava também musicais como 'Globo de Ouro', 'Geração 80', 'Cometa Loucura', 'Mixto Quente', 'Chico & Caetano', 'Som Brasil' (todos da Globo), programas de vídeoclips como 'Clip Clip (Globo), 'Super Special' (Bandeirantes), 'BB Videoclip' (Record), 'Som Pop' (apresentado pelo cantor Ronaldo Resedá, na Cultura). Aliás, os programas da TV Cultura também me marcaram muito. O infantil 'Bambalalão', a que assistia todos os dias, com o palhaço 'Tic-Tac' (Marilan Sales), a linda Gigi Anhelli, e o 'Prof. Parapopó (Chiquinho Brandão). Vejam que esse programa me marcou tanto que até hoje eu me lembro do nome não só dos personagens como também dos atores que os interpretavam!

O inesquecível 'Bambalalão'



Outros programas da Cultura a que eu assistia sempre, 'A Fábrica do Som', apresentado pelo Tadeu Jungle, em que as bandas tocavam ao vivo, várias delas, anos depois fariam muito sucesso (Paralamas, Ultraje, Ira!, Capital Inicial, Titãs, etc.), 'Quem Sabe, Sabe!', em que colégios competiam respondendo perguntas de conhecimentos gerais, apresentado pelo Walmor Chagas, 'É Proibido Colar', outra competição entre escolas, esta com várias 'tarefas' que deveriam ser apresentadas no programa, a apresentação era de Antônio Fagundes e Clarisse Abujamra.

Além, é claro das novelas da Globo. Assisti a várias, nem sempre diariamente, às vezes eu me desinteressava, mas novelas como 'Guerra dos Sexos', de Silvio de Abreu, 'Roque Santeiro', de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, 'Vale Tudo', de Gilberto Braga, Leonor Bassères e Aguinaldo Silva, as novelas de Cassiano Gabus Mendes, novelas de Ivani Ribeiro ('Final Feliz', 'Amor Com Amor Se Paga', A Gata Comeu'), de Walther Negrão ('Livre Para Voar','Pão Pão Beijo Beijo', 'Top Model'), foram marcantes (um dia faço uma postagem só sobre minhas novelas favoritas).


'Roque Santeiro' e 'Guerra dos Sexos'



Adorava os humorísticos também, 'Viva o Gordo', 'Chico Anysio Show', e uma série de programas que a Globo levou ao ar aos domingos, no horário das 18 horas, 'O Planeta dos Homens', 'Balança Mas Não Cai', 'Humor Livre'. Gostava muito de Agildo Ribeiro, que depois de ter seu próprio programa na Globo ("Estúdio A-Gildo'), foi pra Bandeirantes, onde estrelou o muito elogiado 'Agildo No País das Maravilhas'. 


Jô e Chico, gênios do humor



Mas a grande 'descoberta' humorística pra mim foi Ronald Golias, que voltava a televisão depois de muitos anos afastado, no programa 'Bronco', da TV Bandeirantes. Ele era feito no mesmo estilo de outro em que Golias brihara na década de 60, 'A Família Trapo'. Como eu não havia nascido na época do programa, pra mim, aquilo tudo era uma grande novidade. 

Ronald Golias



Assim como a 'Praça Brasil', também na Bandeirantes, comandada por Carlos Alberto de Nóbrega. Apesar de vários humoristas dali já terem feito parte de outros programas de humor, aquele esquema em que eles se sucediam contracenando com Nóbrega, sentado num banco de praça (outra reedição de um sucesso dos anos 60), também era algo totalmente novo pra mim.

A 'nova Praça' deu tão certo que uma semana depois de ter estreado, foi levada para o SBT, por Sílvio Santos (com Nóbrega e o elenco quase todo). O que me decepcionou um pouco, pois o SBT ainda não pegava na minha cidade. E já estávamos em 1987. Mas esse problema seria, graças aos céus, resolvido. Alguma boa alma resolveu colocar o sinal da emissora de Sílvio pra ser retransmitido junto das outras que já pegavam. Que maravilha! Finalmente meu grande sonho se tornara realidade!

Anúncio da estreia da 'Praça É Nossa'



Outra emissora que começou a pegar na minha cidade nesse ano de 87 foi a TV Manchete, que já estava no ar desde 1983. A Manchete havia começado com uma proposta de programação diferente, de mais 'alto nível', apostando no jornalismo (seu telejornal noturno tinha uma hora e meia de duração), em documentários como 'Xingu', programas de música clássica em horário nobre, especiais sobre grandes nomes da música brasileira, sua teledramaturgia roubou vários profissionais da Globo (atores e diretores), inovou na transmissão do Desfile das Escolas de Samba, revelou Xuxa como apresentadora infantil, mas nada disso refletia necessariamente em audiência. Portanto, aos poucos, a emissora foi se rendendo ao gosto popular, e só conseguiu emplacar no ibope, e derrotar a própria Globo, em 1990, com a novela 'Pantanal', de Benedito Ruy Barbosa.




Outro grande acontecimento do ano de 1987 foi o anúncio que Sílvio Santos fez no telejornal 'Noticentro', a que por puro acaso eu assisti. Ele anunciou, orgulhoso, a contratação de Jô Soares para o SBT. 'O queeee???' Meu Deus, aquilo era uma bomba. Não existia a menor indicação de que Jô sairia da Globo. Pois saiu. Portanto, não haveria mais 'Viva o Gordo' nas noites de segunda, em que a gente assistia comendo as pipocas que minha mãe estourava.

Bem, no ano seguinte, Jô estreou no SBT com o mesmo programa de humor, mas com outro nome, 'Veja o Gordo'. E a Globo? A Globo criou uma sessão de cinema que existe até hoje, 'Tela Quente', com 'blockbusters' pra enfrentar o programa de Jô. E deu certo? Logo que sim. Bem na estreia, a Globo mandou o 'Retorno de Jedi'. Adivinha o que foi que eu assisti nesse dia.

Mas o real motivo de Jô ter saído da Globo era a possibilidade de fazer no SBT o que ele realmente queria há muito tempo, um programa de entrevistas no estilo 'late show', uma tradição da TV americana. E assim ele o fez. No mesmo ano estreou o 'Jô Soares Onze e Meia' (que curiosamente não começava às 'onze e meia', estava sempre atrasado), que, pode-se dizer, revolucionou a TV brasileira. Logo, outras pessoas também queriam ter o seu 'late show'. Claro, que sem o mesmo sucesso de Jô. O 'Onze e meia' foi um marco na televisão do Brasil, deixou entrevistas históricas, e marcou época durante a campanha à Presidência da República de 1989. E como eu estudava de manhã e tinha que acordar cedo, eu deixava gravando no videocassete pra assistir no dia seguinte.

'Jô Soares Onze e Meia'



Outro programa que revolucionou foi o humorístico 'TV Pirata', que estreou na Globo em 1988. A proposta era fazer um tipo de humor totalmente diferente do costumeiro. Com personagens sem bordões, esquetes que não se repetiriam, sem risadas gravadas ( a 'claque'), escrito por um time de roteiristas que iam do pessoal das publicações alternativas 'Casseta Popular' e 'Planeta Diário', a nomes conhecidos como Luis Fernando Veríssimo, Miguel Paiva e os cartunistas Angeli, Glauco e Laerte. Tudo interpretado na tela não por humorístas 'profissionais', mas por atores como Ney Latorraca, Marco Nanini, Débora Bloch, Regina Casé, Diogo Vilela, Cristina Pereira, Luis Fernando Guimarães, Louise Cardoso, Claudia Raia e Guilherme Karam. O programa foi bem recebido pela crítica mas nem tanto pelo público (nem pelos humoristas 'tradicionais', que de vez em quando, destilavam algum 'veneno' a ele).

Eu adorava o 'TV Pirata', não perdia um programa, sempre gostei desses projetos inovadores, e achava ótimo que emissoras como a 'poderosa' Globo, tivesse a coragem de por no ar um produto tão radical. Aliás, até mesmo hoje em dia, o programa tem uma radicalidade que se fosse apresentada daquela forma, levaria o público ao estranhamento.

O elenco do 'TV Pirata'



Mesmo controverso, o programa durou até 1992, teve várias trocas no elenco por conta das novelas da emissora, entraram Maria Zilda, Pedro Paulo Rangel, Otávio Augusto, Antonio Calloni, Denise Fraga. Mas mesmo depois do fim do programa, aquele tipo de humor se consolidou na emissora nos anos 90, através de outros como 'Programa de Auditório', Programa Legal', 'Brasil Legal', Casseta & Planeta Urgente' e 'Comédia da Vida Privada'.

Mas não há como falar de humor sem mencionar 'Os Trapalhões'. Se você foi criança durante a década de 80, certamente era fã dos Trapalhões, e não perdia um programa, todos os domingos, às 19 horas. Aquele tema de abertura inconfundível virou um ícone pra uma geração. Entre meus amigos de escola, na segunda-feira, o assunto era um só: 'Você viu os Trapalhões ontem?' Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum e Zacarias cativaram o país todo não só com o show de TV, mas também com os inúmeros filmes que fizeram. Além dos vários bordões criados e eternizados por Renato Aragão, o Didi ('Ô da poltrona!', 'Ô pisit!", 'Muuuuito macho!").

'Ô da poltorna!'



Até agora só mencionei os 'figurões' do humor televisivo (Jô, Chico, Agildo, Golias, Trapalhões) mas boa parte do sucesso desses humorístas e de seus programas não existiria sem os coadjuvantes, humoristas cujos personagens caíam nas graças do povo, mesmo se os nomes de quem os interpretavam nunca fossem lembrados. Talentos que passaram por vários programas como Rony Rios (a 'Velha Surda', o 'Explicadinho' ), Tutuca, Brandão Filho, Ary Leite, Carlos Leite, Maria Teresa, Geraldo Alves, Simplício, Moacyr Franco, Berta Loran, Orival Pessini, Paulo Silvino, Eliézer Motta, Paulo Celestino (o pai e o filho), Alexandre Braz, Zilda Cardoso, Nhô Moraes, Teobaldo, Jorge Lafond, Tião Macalé, Canarinho, Dino Santana, Roberto Guilherme, Carlos Kurt, Nair Belo, Costinha, Lúcio Mauro, Claudia Gimenez, Walter D'Ávila, Zezé Macedo, José Santa Cruz, Sônia Mamede, Álvaro Aguiar, Marcos Plonka, e muitos outros.

Aliás, mencionei Moacyr Franco, e quase ia me esquecendo. Moacyr fazia um programa na Bandeirantes, no início da década de 80, que eu adorava, o 'Moacyr Franco Show'. Era aos sábados à noite, e o que eu mais gostava nele eram os esquetes de humor nonsense feitos junto com o grupo 'humorístico-musical', 'Os 3 do Rio'. Depois, Sílvio Santos levou o programa pra o recém-inaugurado SBT, o que me decepcionou muito pois, como já falei, a emissora não pegava na minha cidade. Mais tarde, Moacyr substituiu Carlos Alberto de Nóbrega, quando este deixou o 'Praça Brasil', mas acabou juntando-se a ele, e ao elenco da 'Praça é Nossa' interpretando um personagem que fizera muito sucesso na década de 60, o 'Mendigo', além de outro, também ilário, o 'Jeca Gay'.

O 'showman' Moacyr Franco



Falando em sábado á noite, impossível não lembrar de outro programa que revolucionou a TV, o 'Perdidos na Noite', apresentado por Fausto Silva, primeiro na TV Gazeta, depois na Record, e finalmente na Bandeirantes. O 'Perdidos' foi um marco não só por ter revelado 'Faustão', mas por ser literalmente uma 'bagunça'. Com cenários improvisados, a falta de verba usada como motor de criatividade, uma linguagem sem empostações por parte do apresentador, os esquetes de humor meio 'toscos' feitos no palco pelos humoristas, Carlos Roberto 'Escova' e Nelson 'Tatá' Alexandre, que geralmente caiam na risada enquanto faziam suas imitações (às vezes o próprio Fausto interrompia as performances pedindo pra que eles fizessem outras vozes, bagunçando ainda mais a coisa toda). 

O Teatro Zaccaro, onde era gravado o programa, estava sempre lotado, de um público que não só ia lá para assistir mas também acabava participando, levando faixas pra serem lidas por Fausto ao longo do programa. E quase todos os grandes nomes da música brasileira passaram por lá, várias bandas de rock tocando ao vivo (o que, na época, não era comum), cantores brega, enfim, o 'Perdidos' era uma grande balbúrdia, uma bagunça organizada em que cabia todo mundo, e a expressão era livre. Um clima que tinha tudo a ver com aqueles tempos de redemocratização brasileira, a 'Nova República'.

Faustão no 'Perdidos'



O sucesso de Fausto (sem trocadilho) foi tão grande que, ainda na Bandeirantes, ele apresentou um programa mais, digamos, 'sério'. Idealizado pelo diretor Augusto César Vanucci, o 'Safenados & Safadinhos' pretendia unir gerações através de performances artísticas. Ali, Faustão tinha um tom mais 'comedido', já que o programa não era, como ele dizia, estilo 'baixaria'. Eu não gostava, achava meio chato e 'careta'.

Uma coisa que eu não disse, foi que quem levou Fausto Silva para a TV foi um grande jornalista, também marcante na década de 80, Goulart de Andrade. A origem do 'Perdidos' foi um programa da antiga Rádio Globo AM chamado 'Balancê', que ia ao ar diariamente ao meio-dia. Ele já era naquele estilo 'Perdidos', com auditório, imitações, bagunça, etc. Um dia, Goulart foi entrevistado nesse programa, e disse a Fausto e á produtora, Lucimara Parisi: 'Isto aqui é um programa de televisão'. Pronto, logo o 'Perdidos' estrearia na TV Gazeta, no horário que Goulart arrendara na emissora. Quando este foi pra Record, o 'Perdidos' foi junto, assim como quando Goulart estreou na Bandeirantes.

Em 1989, Fausto foi contratado pela Globo, e então estreou o 'Domingão do Faustão'. Idealizado para competir com Sílvio Santos, o programa mudou bastante ao longo dos anos. No começo eu gostava, mas depois acabei me afastando, por razões que direi daqui a pouco.

Mas, era sobre Goulart de Andrade que eu queria falar. Ele já tinha algumas décadas de jornalismo quando começou a se destacar nas madrugadas da Globo, de sábado pra domingo, apresentando reportagens sobre a noite de São Paulo, nos intervalos dos filmes que a emissora exibia no horário. Essas inserções eram chamadas de 'Comando da Madrugada'. Mais tarde, Goulart revelaria o motivo de suas matérias serem todas noturnas. Era porque o departamento de jornalismo da Globo só liberava equipamento pra ele depois da meia-noite.

As matérias de Goulart faziam sucesso, mas ele não queria ficar apenas falando sobre a noite, portanto acabou saindo da Globo e indo para a TV Gazeta, em esquema de co-produção. Ali, como ele era o responsável pelo conteúdo, podia apresentar qualquer coisa. E nisso, acabou colocando no ar um programa todo feito com jovens que mais tarde fariam a produtora 'Olhar Eletrônico' (Fernando Meirelles, Marcelo Tas, Marcelo Machado e outros). Depois ele acabou indo para a Record, apresentando o 'Programa Goulart de Andrade', aos sábados de madrugada (de novo). 

Goulart de Andrade




Foi aí que eu o conheci. Suas matérias logo me chamaram a atenção pois eram totalmente diferentes das reportagens convencionais, vistas nos telejornais, por exemplo. Quase não tinham edição, o câmera o seguia pelos lugares, as pessoas eram apresentadas de uma forma muito livre, e com esse estilo ele podia mostrar aspectos dos assuntos que passavam batido numa reportagem 'normal'. Esse era o grande charme do seu trabalho. Depois da Record, Goulart esteve na Bandeirantes e no SBT, e no final da vida voltaria para a Gazeta, trabalhando com jovens estudantes de comunicação.

Falando em jornalismo, quando criança eu não me ligava muito em telejornais, a não ser pra prestar atenção aos cenários (coisa que me interessava muito na época, os cenários dos programas de TV), mas quase sempre dava uma olhada no 'Jornal Nacional' (ainda apresentado por Cid Moreira e Celso Freitas - e mais tarde, Sergio Chapelin), no 'Jornal Bandeirantes' (apresentado pela voz marcante de Ferreira Martins, e por Joelmir Betting), o 'Jornal da Manchete 1ª Edição' (com Carlos Bianchini e Ronaldo Rosas), e o 'Noticentro', do SBT (não me lembro do nome do apresentador). 

Cid Moreira e Celso freitas no 'JN'


Mas, em 1987, o SBT inovou lançando o 'Telejornal Brasil', o primeiro telejornal diário feito por um anchorman, como era conhecido nos EUA. Um âncora, ou seja, alguém que não era apenas um apresentador, mas que também atuava como editor-chefe do jornal, ele era quem, digamos, 'sustentava' aquilo que seria mostrado, ele se responsabilizava pelo que era noticiado, por isso o nome 'âncora'. E este primeiro 'âncora' da TV brasileira foi o veterano jornalista Boris Casoy. Ele já tinha vasta experiência no jornalismo impresso, principalmente na Folha de S. Paulo, inclusive em cargo de chefia de redação. Mas aquela seria a sua estreia como apresentador, nunca trabalhara na TV, apenas participara de debates eleitorais. Apesar disso, ele destacou-se na nova posição. Pela primeira vez, um apresentador de telejornais dava suas opiniões sobre as notícias. E quando algum dos fatos era 'escabroso' demais, um caso de corrupção, por exemplo, Casoy soltava, o que acabou se tornando um bordão que chegou às ruas: 'É uma vegonha!'

Boris Casoy no 'TJ Brasil'



Falando em telejornalismo, não posso deixar de mencionar o 'Fantástico, O Show da Vida', tão tradicional nas noites de domingo quanto os 'Trapalhões'. Aliás, esses dois programas fizeram uma combinaçao imbatível na audiência durante toda a década de 80. O 'Fantástico' já estava no ar desde os anos 70, e manteve sua relevância baseada em periódicas mudanças no estilo visual do programa. Era uma espécie de 'combo', com todas as estrelas da Globo juntas, as do entretenimento e as do jornalismo, apresentando matérias especiais, e atrações musicais, com videoclipes feitos especialmente pelo programa. Além dos videoclipes internacionais também, foi nele a estreia nacional do clipe 'Thriller', de Michael Jackson.

Sérgio Chapelin, um dos apresentadores do 'Fantástico'



Ainda no campo do jornalismo/entretenimento, existem certas pessoas que passaram por várias emissoras durante a década de 80, e suas figuras sempre surgem na memória quando se fala dessa época. Uma delas é Marília Gabriela. Marília havia começado na Globo, nos anos 70 mas consolidou seu trabalho, na década seguinte, apresentando o 'TV Mulher', programa matinal com temática feminina, tratava de vários assuntos ainda considerados ‘tabu’, como menstruação, o prazer feminino, além de moda, forma física etc. Marília fez tanto sucesso no programa que ficou maior que ele. 

Acabou indo para a Bandeirantes pra apresentar um programa só seu, ‘Marília Gabi Gabriela’, às quartas à noite. Nele fazia uma mistura interessante de entrevistas com gente do mundo político e do entretenimento. O cenário era dividido em várias partes, cada uma para um quadro do programa. Num deles algum famoso preparava um prato ao vivo, em outro o convidado cantava num karaokê (geralmente era engraçado quando políticos iam participar dele). Apesar de interessante, o programa não foi um sucesso de audiência, mas Marília se manteve no ar por muitos anos, em outros programas. 

Um deles também marcou época, o ‘Cara a Cara’, num formato inovador, em que ela ficava bem de frente para o entrevistado, sem cenários, as câmeras num plano e contra-plano que dava um clima bem íntimo e incisivo à conversa. Algumas entrevistas foram históricas, como a do cantor Cazuza, que nele, assumiu publicamente que tinha o vírus da AIDS.

Gabi no 'TV Mulher'



Outra pessoa constante no vídeo nessa época foi Clodovil Hernandez. Clodovil começou a chamar atenção na década de 60, com seu trabalho como estilista, logo virou participante de inúmeros programas de TV. Sua participação no mesmo 'TV Mulher' era falando sobre moda. Mas, assim como ocorreu com Marília, Clodovil também tinha capacidade (e vontade) para ter um programa só seu. E assim, aconteceu. Antes de Marília, Clodovil deixou a Globo e foi para a Bandeirantes  apresentar um show nas noites de segunda. 

O programa, que chamava-se apenas 'Clodovil', era muito estiloso, e devia custar 'os tubos' pra emissora. Tinha bailarinos, números musicais, e o mesmo quadro que Clodovil fazia no 'TV Mulher' dando dicas de moda. Talvez por ser tão caro não tenha durado muito. Clodovil foi para a Manchete, onde em 1985 estreou um programa vespertino chamado 'Clô Para os Ínitimos', em que entrevistava várias personalidades. No estúdio havia uma pequena plateia, composta em sua maioria por senhoras admiradoras do estilista. 

Clodovil Hernandez


Clodovil nunca parou muito tempo numa emissora, geralmente se desentendia com a direção do canal, ou com outro profissional que trabalhasse com ele (o que ocorreu com Marília Gabriela), mas 'vira e mexe' estava de volta à TV.

Quem também marcou época na década de 80 foi Marcelo Tas. Marcelo começou na produtora 'Olhar Eletrônico', já mencionada, que chegara à TV pelas mãos de Goulart de Andrade. Em meados da década, a Editora Abril resolveu investir em televisão. Criou a 'Abril Vídeo', que associada à TV Gazeta, pôs no ar programas jornalisticos que fugiam ao padrão da época ('Crig Rá', 'Olho Mágico'), e todos eles eram feitos pelo pessoal da 'Olhar Eletrônico'. Uma das grandes sacadas de Marcelo foi criar um personagem, o repórter 'Ernesto Varela'. Um sujeito meio tímido, desajeitado, que acabava fazendo as perguntas mais incômodas por conta dessa sua suposta 'ingenuidade'. 

Varela em ação



'Varela' entrevistou várias personalidades, principalmente políticos, sua atuação na época esteve ligada ao momento político que o país vivia, com a possibilidade da eleição direta para a Presidência da República (que acabou não acontecendo). Como a Gazeta não pegava na minha cidade, eu não podia acompanhar tudo isso mas sempre ficava inteirado das inovações da 'Olhar'. E logo, Marcelo iria para a Record, cobrir a Copa do Mundo do México, em 1986, e depois passaria por literalmente todas as emissoras de TV nas décadas seguintes.

Bem, quase ia me esquecendo de falar sobre um programa da Globo, que pra mim, era imperdível, o 'Armação Ilimitada'. Era uma série mensal, que fazia parte do 'Sexta Super', em que toda semana ia ao ar um programa diferente ('Globo de Ouro', 'Grandes Nomes', 'Chico & Caetano'). 

O 'Armação' foi uma revolução na teledramaturgia brasileira. Com uma edição ágil, uma linguagem direta com o público jovem, cada episódio contava uma história diferente, tendo por protagonistas o triângulo amoroso entre 'Juba' (Kadu Moliterno), 'Lula' (André Di Biasi), e 'Zelda Scott' (a linda Andrea Beltrão, por quem me apaixonei perdidamente). Além, do pequeno 'Bacana' (Jonas Mello) e a gorda e sexy 'Ronalda' (Catarina Abdala). 

O 'Triângulo de bermudas'



Seria injusto falar da TV nos anos 80, sem tocar no nome de Xuxa Meneghel. Essa mulher se tornou um dos maiores sucessos da televisão apresentando programas infantis. O diferencial de Xuxa como apresentadora era que não tratava as crianças, no seu programa, de uma forma 'tatibitai', ou 'maternal'. A figura dela era como a de uma amiguinha da mesma idade, ela falava com a criançada sem 'frescura', isso cativou o público infantil de tal jeito (apesar de gerar muitos mal-entendidos), além da beleza encantadora, que a transformou num fenômeno, primeiro de televisão, depois do disco, e até mesmo no cinema. Nada mal para alguém que antes de iniciar nessa carreira era apenas conhecida como a 'namorada do Pelé'. Xuxa começou na TV Manchete, no 'Clube da Criança', mas três anos depois já estreava na Globo o seu 'Xou da Xuxa'. Quando isso aconteceu, em 1986, eu tinha 12 anos de idade (um pré-adolescente), ou seja, eu era louco por ela. Principalmente quando aparecia com aqueles figurinos curtíssimos (rs).

Bons tempos



Em 1987, uma bomba caiu no mundo do entretenimento. A Globo anunciava a contratação de Gugu Liberato. Ele sairia do SBT depois de seis anos apresentando o 'Viva a Noite', para fazer um programa dominical competindo com seu mentor, Sílvio Santos. Meses depois, outra bomba. Gugu não iria mais pra Globo. Resolvera ficar na antiga emissora cedendo a um pedido pessoal de Sílvio que chegou a ir até o Rio de Janeiro, na sede da Globo, pedir que a direção aceitasse a rescisão de contrato. Sílvio chegou a falar pessoalmente com Roberto Marinho, para que cedesse ao seu pedido, pois Sílvio dizia precisar de Gugu, tendo em vista as suspeitas (que depois não se confirmaram) de que um problema nas cordas vocais o obrigaria a sair da televisão.

Eles de novo



Com o assunto resolvido, Gugu estreou nas tardes de domingo, mas no SBT mesmo, apresentando o 'Passa ou Repassa' e o 'Cidade Contra Cidade' (uma reedição do programa que fez sucesso na década de 70). Além de dividir o palco com Sílvio no 'Roletrando'. Também seu 'Viva a Noite' passou por uma reformulação geral, assim como a sua conta bancária, que aumentou dez vezes mais. 

Bem, na década de 90, entrei na adolescência, e curiosamente,  comecei a me afastar da televisão. Até porque ela havia mudado bastante, alguns ídolos meus tinham morrido (Chacrinha, Flávio Cavalcanti), e boa parte da música brasileira que fazia sucesso também havia mudado. Em vez de bandas de rock - 'axé music', 'pagode', 'lambada', ' sertanejo' (que eu até que gostava), tomaram conta dos programas de TV e aberturas de novelas e isso começou a me incomodar. 

Descobri a literatura, o cinema (e ironicamente, assiti a todos os clássicos do cinema na TV aberta da época, cuja programação de filmes era muito melhor do que, não só, a da TV aberta atual, como também da própria TV por assinatura atual). Desenvolvi um senso crítico muito grande com relação ao que via na televisão. No fundo não sei bem se foi a programação que piorou, ou eu fiquei mais exigente (talvez as duas coisas). 

Tanto que das novelas de sucesso da época ('O Rei do Gado', 'Mulheres de Areia', 'Barriga de Aluguel', 'A Próxima Vítima', 'Por Amor', entre outras) não vi nenhuma. Lembro de ter assistido 'Vamp', de Antônio Calmon, por que era engraçada. 'Pantanal', o grande sucesso da Manchete, não me interessava nem um pouco. Chegou a tal ponto em que as únicas coisas que eu acompanhava era o 'Jô Soares Onze e Meia', e as sessões de cinema.

Aliás, lembrei-me agora de um dos poucos programas da TV aberta do qual virei fã nessa época, o humorístico 'Sai de Baixo'. Estreado em 1996, nas noites de domingo, depois do 'Fantástico'. Era feito no mesmo esquema do antigo 'Família Trapo', dos anos 60. Como uma peça de teatro, com plateia, o elenco contava com Luis Gustavo, Miguel Fallabella, Marisa Orth, Aracy Balabanian, Tom Cavalcanti e Claudia Jimenez, depois substituída pela maravilhosa Márcia Cabrita. Foi um grande sucesso que manteve-se na programação até 2002. E até hoje acompanho as reprises no Canal Viva.

Sai de Baixo



Também via muito os programas de Serginho Groisman, primeiro o 'Matéria Prima', na TV Cultura, depois o 'Programa Livre', no SBT, de 1991 a 2000. Serginho marcou época na TV, fazendo um programa dirigido a adolescentes mas sem ser 'alienado', ou 'alienante'. Pelo contrário, Groisman trazia assuntos que não só diziam respeito à faixa etária do público, mas também outros temas relevantes pra que eles se posicionassem. Política, cultura em geral, além das atrações musicais tocando ao vivo, conhecidos ou não, os programas de Serginho sempre tinham alguma coisa interessante pra mostrar, por isso eu ficava ligado neles diariamente. 

'Fala Garoto!'



Em 2000, ele foi pra Globo, apresentar o 'Altas Horas', nos fins das noites de sábado. Aí, o programa já tinha um esquema um pouco diferente, mas não muito. Talvez pela necessidade de ter de segurar a audiência global, menos artistas desconhecidos eram convidados a aparecer, o que acabou me afastando como telespectador.

Outra coisa que mobilizou muito as opiniões nos anos 90, foi a briga aos domingos entre 'Domingo Legal' (Gugu Liberato), no SBT, e o 'Domingão do Faustão' (Fausto Silva), na Globo. Acompanhei essa disputa de longe, pois nenhum dos dois programas me interessava.

O que passou a me interessar mesmo foi a MTV Brasil, que entrara no ar em 1990, mas eu só consegui assitir no ano seguinte, porque instalaram uma antena parabólica em casa. Eu simplesmente adorava a MTV. Sempre me interessei por música,e pude acompanhar a ascenção de bandas como 'Nirvana', 'Pearl Jam' e outras. A linguagem da MTV era inovadora, despojada, apesar do pouco orçamento, esbanjava criatividade, e acabou influenciando as emissoras 'mais velhas', que mais tarde acabaram levando pra si alguns dos apresentadores, ou 'VJ's', como eram conhecidos. Entre eles: Gastão Moreira, Cuca, Astrid Fontenelle, Maria Paula, Cris Couto, Zeca Camargo, Marcos Mion, Edgard Picolli, Fábio Massari, Sabrina Parlatori, Cazé, João Gordo, e outros que agora não vem à memória. 

Os 'VJ's da MTV Brasil



Gostava muito do 'CEP MTV', com Luis Thunderbird, que conseguia transformar um simples programa de pedidos de videoclips em um happening, que começou a receber convidados ilustres, do ilário 'Teleguiado', com Cazé, que fez tanto sucesso que até foi parar na Globo. O 'Clássicos MTV', o Lado B', os debates do 'Barraco MTV', o '15 Minutos', com o Marcelo Adnet, e o também o 'Comédia MTV', com Adnet, Dani Calabresa, Tatá Werneck, Bento Ribeiro, o genial 'Hermes e Renato'. Enfim, a MTV Brasil foi uma lufada de ar fresco no meio daquele vendaval de cafonice em que a televisão brasileira tinha se transformado.

Só comecei a fazer as pazes com a TV aberta no começo dos anos 2000, e muito por causa de dois programas em particular, o 'Pânico', da Rede TV!, e o 'Custe o Que Custar', da Bandeirantes. O 'Pânico' virou a televisão do avesso, com um humor anárquico, à beira da irresponsabilidade (e às vezes extrapolando esse limite), grande parte dele sem texto, baseado em improvisos, e no talento de humoristas como Wellington Muniz ('Ceará'), Rodrigo Scarpa (o 'Vesgo'), Marvio Lúcio ('Carioca'), Eduardo Sterbilich, Carlinhos Silva, Vinicius Vieira, Evandro Santo, Daniel Zuckerman, Fábio Rabin, e no carisma de Marcos Chiesa (o 'Bola'), e Sabrina Sato (que depois conseguiu até um programa próprio na Record), além do 'âncora' Emílio Surita, que eu já conhecia de inúmeros programas na Bandeirantes, nos anos 80. 

O 'Pânico' virou a TV do avesso



O 'Panico' criou duplas icônicas como 'Repórter Vesgo e Sílvio', 'Amaury Dumbo' e 'Freddie Mercury Prateado'. Eu morria de rir com as maluquices que eles inventavam e o quanto importunavam 'celebridades' na entrada de festas pretensiosas em que a 'breguice' dava o tom. O 'Pânico' mostrou o quanto esse mundo dos 'famosos' era ridículo, por mais que alguns dos integrantes depois até acabassem fazendo parte dele.

Já o 'CQC', surgiu na Bandeirantes em 2008, era um programa de origem argentina, co-produzido pela produtora 'Cuatro Cabezas', daquele país. Apresentado por Marcelo Tas (de novo ele), e os comediantes Rafinha Bastos e Marco Luque, tinha uma equipe de repórteres que tratava com humor casos jornalísticos, problemas locais, corrupção, os assuntos do momento, sempre de uma forma incisiva e até mais interessante do que a dos telejornais convencionais. Entre seus repórteres estava, Danilo Gentili, Oscar Filho, Felipe Andreoli, Rafael Cortez, Warley Santana (que ficou pouco tempo), Monica Iozzi, Maurício Meirelles, entre outros. Ia ao ar toda segunda à noite, e desde a estreia virou programa obrigatório pra mim. 

'CQC' 1ª geração


Pena que aos poucos foi se desgastando, principalmente depois que Rafinha Bastos foi afastado por conta de uma gag mal recebida envolvendo a cantora Vanessa Camargo. Em 2015, Tas saiu do 'CQC', sendo substituído pelo ator Dan Stulbach, outros repórteres também saíram (Danilo Gentili ganhou seu próprio programa), e aos poucos ficou claro que a emissora não tinha mais vontade de prosseguir com ele, talvez por causa da reação negativa de politicos, a Band tenha achado que não valia mais a pena comprar essa briga. No mesmo ano de 2015, o 'CQC' teve sua última edição.

Outra coisa que pegou neste início de século foram os reality-shows, e no Brasil não seria diferente. Quem introduziu esse tipo de atração no país foi a Globo com o 'No Limite', uma versão do gringo 'Survivor', competição ao ar livre em que, em meio a florestas, morros, praias, os participantes competiam entre si, realizando tarefas cheias de ação, ou outras, digamos, nojentas. Era apresentado por Zeca Camargo.

Mas quem marcou época nos realities foi ninguém menos do que Sílvio Santos e sua 'Casa dos Artistas'. Sim, eu confesso que assisti. E achava até bem divertido. O esquema era parecido com o do 'Big Brother' (ainda inédito por aqui), a única diferença era que ao invés de ter anônimos vivendo juntos numa casa, os participantes eram todos famosos. Dessa primeira edição fizeram parte: Bárbara Paz (a vencedora), Supla, Alexandre Frota, Mari Alexandre, Patricia Coelho, Mateus Carrieri, Taiguara Nazareth, Nana Gouveia, Núbia Óliver, Marco Mastronelli, Leandro Lehart e Alessandra Scatena. 

Sílvio e os moradores da 'Casa'



Já na estreia, o programa venceu o 'Fantástico' em audiência, coisa que iria se repetir várias vezes. Boa parte do sucesso deveu-se à utilização eficientíssima de trilha sonora feita de canções de sucesso. Este trabalho estava a cargo da cantora Laura Finocchiaro. Em vários momentos o reality assemelhava-se a uma telenovela, por conta do inevitável envolvimento dos participantes. A 'Casa dos Artistas' teve mais 3 edições, mas a 1ª foi a única realmente relevante, apesar da 2ª ainda conseguir vencer a Globo esporadicamente.

A resposta da Globo veio no ano seguinte com a estreia do 'Big Brother Brasil', uma versão fiel, e autorizada, do programa criado na Holanda pela empresa 'Endemol', e que já vinha conquistando sucesso em vários países. Sua 1ª edição era apresentada por Pedro Bial e Marisa Orth, ficando Bial sozinho a partir da 2ª temporada, até o ano de 2016. Confesso que não simpatizei com nenhum dos participantes dessa 1ª edição, portanto só acompanhei quando estava perto do final, vencida pelo infame Kleber 'Bam Bam'. 

Bial: de jornalista a entertainer



O programa fez tanto sucesso que depois de terminado em abril, a 2ª edição já veio no mês seguinte, em maio. E a esta eu assisti desde o começo, assim como a todas as outras até 2010, quando houve a décima edição, vencida pelo lutador Marcelo Dourado. Depois me desinteressei completamente. Mas o programa seguiu em frente, com sucesso, claro, até a mais recente, a 20ª, que conseguiu um recorde de votações por parte do público na final.

Outro fato importante no começo da década de 2000 foi a volta de Jô Soares à Globo. Depois de 11 anos no SBT, Jô voltava à sua antiga emissora, e fazendo aquilo que havia sido o motivo da sua saída de lá, o talk-show. Agora com mais recursos tecnológicos, e verba, além da emissora haver inaugurado um estúdio especialmente para ele, o 'Programa do Jô' tinha ao menos uma coisa melhor do que o 'Jô Soares Onze e Meia', Jô não teria mais restrições para entrevistar artistas da Globo. 

Jô de volta ao lar


No mais, o programa continuava o mesmo, entrevistando não só artistas populares mas também politicos, escritores, anônimos com histórias interessantes, além de números musicais não apenas com quem fazia sucesso, mas também com artistas que não tinham acesso à grande mídia. Coisa que com o fim do programa, e aposentadoria de Jô, em 2016, fez abrir uma lacuna considerável na TV aberta.

Aliás, a TV aberta brasileira aos poucos, nestes últimos anos, tem se notabilizado por reproduzir fielmente franquias internacionais de sucesso, que quando chegam no país repetem a aceitação que tem pelo mundo, e acabaram se tornando as maiores audiências das emissoras brasileiras :'Big Brother Brasil', 'A Fazenda', 'Ídolos', 'The Voice', 'Masterchef', 'Dança dos Famosos', etc. Ou seja, a TV do Brasil virou uma mera administradora de franquias internacionais.

Também no início do novo século eu comecei a fazer as pazes com as novelas. Depois de praticamente ignorá-las na década de 90, voltei aos poucos a assistí-las. Lembro que acompanhei 'Terra Nostra' (Benedito Ruy Barbosa), 'Belissima' (Silvio de Abreu), 'Laços de Família' (Manoel Carlos), 'Força De Um Desejo' (maravilhosa novela de Gilberto Braga), 'América' e 'Caminho das Índias' (Glória Perez), 'Senhora do Destino' (Aguinaldo Silva), 'Celebridade' (Gilberto Braga). De 2010 pra cá, lembro de ter visto 'Avenida Brasil' (João Emanuel Carneiro), de 2012, a última novela que pode-se dizer que 'parou o Brasil' no último capítulo. Além de 'Eta Mundo Bom!' (Walcyr Carrasco), 'Lado a Lado' (João Ximenes Braga e Claudia Lage), 'Império' (Aguinaldo Silva), 'Passione' (Sílvio de Abreu), e a sensacional 'Novo Mundo' (Thereza Falcão e Alessandro Marson), uma obra-prima, cuja história se passa na época de D. Pedro I.


A última novela a 'parar o Brasil'



Mas também tive minhas decepções como: 'Amor à Vida' (Walcyr Carrasco), 'Babilônia' (Gilberto Braga), os remakes de 'Gabriela' (também Walcyr Carrasco) , 'Saramandaia', 'Guerra dos Sexos' e 'O Astro'.  Difíceis também foram 'Salve Jorge' (Glória Perez), 'Órfãos da Terra' (Duca Rashid e Thelma Guedes), 'A Regra do Jogo' (João Emanuel Carneiro), 'O Outro Lado do Paraíso' e 'A Dona do Pedaço' (Carrasco, de novo).

Na verdade, nesta última década, tenho me interessado cada vez menos nas novelas atuais, e mais nas reprises do Canal Viva. Principalmente de novelas que eu não acompanhei na época como 'Dancin' Days' (Gilberto Braga), 'Pai Heroi' (Janete Clair), 'Baila Comigo (Manoel Carlos), 'Pedra Sobre Pedra' (Aguinaldo Silva), mas também para relembrar grandes sucessos que eu já vi: 'Roque Santeiro' (Dias Gomes e Aguinaldo Silva), 'Vale Tudo' (Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basseres), 'Brega & Chique' (Cassiano Gabus Mendes), 'Cambalacho' (Sílvio de Abreu), 'Tieta' (Aguinaldo Silva).

Bem, mas e agora, neste início da terceira década do século XXI, em que situação encontra-se a TV brasileira? Cada vez menos importante, e ao mesmo tempo, cada vez mais importante. Eu explico. 

A TV aberta vem perdendo audiência gradativamente desde o advento da internet, e da incorporação dela na forma como consumimos entretenimento. Aliás, nestes 20 anos até mesmo a própria noção de entretenimento se modificou. Programas que não chegariam nem a ir ao ar em décadas passadas, hoje formam a base de programação de alguns canais fechados (construção de casas, dia a dia de estabelecimentos comerciais, culinária de todo tipo, etc.)

Se antigamente assistíamos à TV 'de graça', hoje é preciso assinar algum provedor de TV fechada, que nos fornece uma média de 500 canais, sendo que geralmente acabamos vendo apenas uns dez. Isso fez com que muitos cancelassem suas assinaturas. Isto é um dado. Outro, é que as próprias emissoras perceberam que o futuro delas está no streaming, o que possibilita que o espectador veja seus programas favoritos quando e onde quiser, anulando os intervalos comerciais e obrigando as emissoras a buscarem novas formas de comunicação entre anunciantes e o público.

O surgimento de plataformas como You Tube, Netflix, Amazon Prime, Disney+, e outras que virão, fez com que boa parte da audiência desistisse de acompanhar a programação brasileira. Existem jovens que hoje nem sabem o que é 'TV aberta'. Quem entendeu antes o significado de toda essa mudança e saiu na frente, marcando seu terreno nesse mercado virtual, foi a Globo, que não só disponibilza sua programação online, como criou uma plataforma, a 'Globoplay', para produção de conteúdo exclusivo, além de acesso a todos os canais da sua grade. Entre as concorrentes, a única que libera sua programação na íntegra, e ao vivo, em seu site é o SBT.

Ou seja, a TV pode ter perdido espectadores para a internet, mas a própria internet pode servir de ferramenta para trazer mais espectadores para assistir o que a TV produz.















 

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